Início Notícia Voltar

Método prisional Apac poderá ser alternativa para a ressocialização em Passo Fundo

Cerca de 70% dos indivíduos que cumpriram penas nos presídios brasileiros



Data da Publicação da Notícia : 26/10/2018 09:15 por Câmara Municipal de Passo Fundo

CapaNoticia
Banner Topo

Cerca de 70% dos indivíduos que cumpriram penas nos presídios brasileiros, ao terem a liberdade concedida, voltaram a cometer crimes. Esse índice mostra que o sistema penitenciário convencional não vence a violência e que o Estado precisa trabalhar com alternativas para ampliar a ressocialização e, consequentemente, a defesa da sociedade.

Um modelo, até agora diferente, que ganhou a atenção dos órgãos jurídicos e de segurança pública do Rio Grande do Sul é chamado de Apac, cuja sigla vem da Associação de Proteção e Assistência aos Condenados. A entidade foi criada em 1972, em São Paulo, por um grupo de voluntários. Ao longo destes anos, ela implementou, no país, cerca de cem centros de execuções de pena humanizados e que promovem a justiça restaurativa, sendo oito deles no estado.

A possibilidade de Passo Fundo contar com uma Apac foi discutida com a comunidade nesta quinta-feira (25), durante audiência pública realizada na Câmara de Vereadores. A iniciativa foi da Frente Parlamentar Mista da Segurança Pública e da Comissão de Cidadania, Cultura e Direitos Humanos (CCCDH), que tiveram a colaboração de representantes de órgãos de justiça e instituição de polícia. “Nós estamos tentando apoiar um rumo diferente para regenerar pessoas. Se conseguirmos dar esse passo, haverá mudanças para a segurança pública”, considerou o vereador Fernando Rigon (PSDB), presidente da CCCDH.

O funcionamento das Apacs foi explicado pelo procurador de Justiça Gilmar Bortolotto, que coordena o Núcleo de Fiscalização de presídios do Ministério Público do Rio Grande do Sul. “As Apacs são espaços onde os presos são corresponsáveis, participando da gestão. O processo de recuperação ocorre a partir da laborterapia, da profissionalização e da espiritualidade ecumênica”, resumiu.

Na prática, os centros da Associação auxiliam o Judiciário e o Executivo na administração do cumprimento das penas privativas de liberdade, nos regimes fechado, semiaberto e aberto. Os recuperandos, como são chamados os condenados, recebem assistências espiritual, médica, psicológica e jurídica, prestadas pela comunidade e podem frequentar supletivos e cursos profissionalizantes. Eles também são envolvidos nas tarefas cotidianas, o que evita a ociosidade.

Conforme Bortolotto, o trabalho feito dentro deles traz resultados positivos para as comunidades. Isso porque, conforme, o índice de reincidência, que é superior a 70% num presídio comum, cai para 10%. “Os recuperandos têm atividades das 6 da manhã às 10h da noite.  Sua sentença não muda, mas eles são corresponsáveis pela sua recuperação. A redução da reincidência e a ausência de atos de violência nas Apac contribuem para o convencimento das autoridades e a expansão do movimento de implementação. A partir delas, famílias são reconstituídas e a comunidade recebe os seus cidadãos recuperados”, declarou.

Ao passo que a ressocialização favorece a boa recepção da população à Apac, o custo de cada recuperando também é um fator que pesa. Enquanto, no sistema comum, cada pessoa custa aproximadamente R$ 2 mil, nas Apacs, o valor é de R$ 1,3 mil. “Esse valor foi estudado na Apac de Porto Alegre, calculado a partir dos mínimos detalhes, desde o que o condenado vai consumir de alimentos durante o dia”, destacou.

Para que um centro da Associação chegue em Passo Fundo, no entanto, há uma série de ações. Primeiramente, deve haver o apoio da comunidade, que é o agente que legitima a introdução do método numa cidade. Com o aval positivo da população, a Associação, que é a via jurídica de todo o trabalho, é instalada, firmando uma parceria com o Estado, que arcará com os custos dos recuperandos.

Respondendo às dúvidas da comunidade, o procurador comentou que os condenados que serão transferidos para a Apac, se ela for instalada, serão escolhidos de acordo com o perfil, não havendo o benefício de indivíduos. “Serão pessoas que têm, em média, 40 anos, que possuem família na região, que não vinculadas a facções e que têm situação jurídica definida”, esclareceu.

Cabe ressaltar que a Apac operará em paralelo ao Presídio Regional, dentro do organograma da Superintendência dos Serviços Penitenciários (Susepe). A Susepe será responsável por monitorar a parceria entre o Estado e a Associação.

A audiência, que teve a participação de aproximadamente 200 pessoas, é o primeiro passo para a implementação do método prisional em Passo Fundo. Um outro encontro, para que sejam discutidos demais questionamentos da população, foi agendado para o dia 28 de novembro, às 19h, no Ministério Público Estadual de Passo Fundo.

O presidente da Câmara, vereador Pedro Daneli (PPS), assegurou que o Legislativo é parceiro das propostas de mudanças que podem transfigurar a realidade do município e impactar em melhorias para todos os cidadãos. “A situação do Presídio Regional de Passo Fundo é preocupante. A ressocialização dos condenados e, de forma geral, a segurança da população são de interesse de todos. Nós queremos ajudar a modificar o que enfrentamos hoje para que, no futuro, não tenhamos espaços destinados à recuperação de pessoas que cometem crimes que incentivem mais violência”, disse.

Situação dos presídios favorece a implementação de Apacs

Gilmar Bortolotto tem 28 anos de atuação no Ministério Público Estadual, sendo quase 20 dedicados a acompanhar o dia a dia dos presídios. Para ele, as penitenciárias servem como escolas do crime. Quem cometeu um crime deve ser responsabilizado, mas, nos presídios, os condenados ganham um reforço para o seu perfil delinquente. Tudo o que a gente pensa que deveria acontecer dentro de um presídio é o contrário. Lá, se concretiza uma maneira de tratar condenados que a maioria das pessoas pensa ser correta, dizendo que eles devem sofrer e que presídio não deve ser lugar bom”, identificou.

Para ele, condições insalubres às quais os condenados são submetidos e a superlotação das celas impedem que a reclusão signifique um período de ressocialização. “Num presídio com capacidade para menos de duas mil pessoas, há seus mil, e isso evidencia que, lá, não é mais o Estado que diz o que deve acontecer... O presídio é um lugar onde as facções vão poder catequisar mais gente”, completou.

Neste cenário, as Apacs surgem como esperança: esperança de que, com todas as possibilidades oferecidas aos recuperandos, ao fim da pena, eles retornem restaurados ao convívio social.

A implementação de um centro em Passo Fundo tem o apoio do Judiciário, do Executivo e de instituições de polícia. Como expôs o comandante do 3º Regimento de Polícia Montada (RPMon), tenente coronel Volnei Ceolin, a reincidência mostra a insuficiência do atual sistema carcerário. “Neste ano, nós detectamos, nas ruas, mais de 360 foragidos da justiça. São pessoas que, por algum motivo, fugiram. Essas pessoas devem ficar reclusas, mas algo tem de ser feito para minimizar os efeitos da reincidência e para levar mais segurança à nossa comunidade”, manifestou.

No mesmo sentido, o secretário municipal de Segurança, João Darci Gonçalves, reiterou que o Município percebe a necessidade de haver modificações no processo de recuperação. “A estrutura carcerária atual não está nos dando um resultado satisfatório. Tenho certeza de que, se o método for implementado, teremos bons resultados e entregaremos à nossa sociedade pessoas capazes de usufruir de uma nova oportunidade”, reforçou.

Aceitação em outras cidades

Uma das oito Apacs do Rio Grande do Sul está localizada em Três Passos. Para o presidente deste centro, padre Rudinei da Rosa, o espaço tem uma “reflexão fantástica na sociedade” por conta de um trabalho de conscientização feito pela Associação com moradores da cidade.

Embora a iniciativa não tenha ganhado forças no início, o diálogo estabelecido sobre a situação do sistema penitenciário e a importância de haver um trabalho de ressocialização diferente vai, aos poucos, mudando a visão das pessoas sobre a Apac. “Temos a coragem de sentar junto e de explicar, com referenciais teóricos e estudos, o que é o método. A Secretaria de Educação nos oportunizou um dia para fazer uma fala a professores e diretores de escolas. Assim, conseguimos chegar dentro das salas de aula, conversando com alunos e pais”, mencionou.

Para Rudinei, a Apac é o cumprimento da Constituição, que diz que, embora estejam privadas da liberdade, as pessoas devem ter a dignidade garantida. “Em Três Passos, a Apac já é uma vitória, porque, no pouco tempo que ela existe, começou a promover reflexões sobre a segurança pública, sobre a vida e sobre a esperança. Com ela, nós vamos avançando naquilo que chamamos de direitos e deveres básicos da cidadania”, completou.


Os comentários são de inteira responsabilidade de seus autores e não representam a opinião deste site. Se achar algo que viole os termos de uso, denuncie.